Mudança Assombra a Casa de Ferragens
Qualquer ferramenta é instrumento de mudança, pelo menos na sua
concepção de origem. Ninguém usa pá, enxada, serra,
alicate para deixar as coisas como estão. Só que existe um paradoxo
nesse setor, pois os produtos oferecidos não mudam há décadas.
As novidades enfrentam a mentalidade conservadora dos consumidores, que se acostumaram
a equipamentos tradicionais e não estão dispostos a arcar com
eventuais prejuízos para tentar soluções novas.
O resultado é que essa prudência excessiva acaba contaminando o
industrial e o comerciante. Foi esse imobilismo que sempre incomodou Osvaldo
B. Hoffmann, que, desde os 14 anos, fez carreira em empresas do ramo, de
office-boy a gerente. Até que decidiu vender um terreno e aplicar suas
economias, fundando, em setembro de 1986, em Campinas, a Hopac Ferragens
e Ferramentas Ltda.
No seu estabelecimento, ele resolveu aplicar tudo o que não conseguiu
fazer durante décadas como funcionário. Separou o atendimento
de balcão do televendas, reservando uma equipe para cada departamento.
Isso, em sua opinião, evita aborrecimentos, "pois quem liga de fora
acaba tendo preferência em relação ao cliente que foi prestigiar
a casa, indo até lá pessoalmente". Com seu esquema, quem
compra no balcão não fica em segundo plano, enquanto o freguês
no outro lado da linha também é atendido na hora.
Para acoplar comércio a serviço, fórmula salvadora em tempos
de crise, criou uma oficina de manutenção, atraindo gente que
precisa consertar equipamentos antigos e acompanhando o uso do material vendido
na própria Hopac. Além disso, com a ajuda do SEBRAE/SP, informatizou
o estoque e o fluxo de caixa. Como explica no depoimento a seguir, ele resolveu
tomar essas providências para enfrentar a falta de dinheiro dos compradores
e, principalmente, a concorrência, "que também está
aperfeiçoando-se".
PREÇO SIM, QUALIDADE NÃO
"Como todo empresário, sofri as dificuldades geradas pelo Plano
Collor. O mercado caiu, o tipo de negociação mudou completamente
e tivemos que aprender tudo de novo. Como fornecemos muito para as construtoras,
enfrentamos problemas sérios, devido à paralisação
das obras. Quem vende carrinho, pá, betoneira, motor, bomba precisa encontrar
saídas.
Uma das soluções foi a oficina de manutenção para
motores e máquinas, pois, normalmente, o consumidor tem condições
de consertar um equipamento, mas não comprar outro novo. Na oficina,
trabalhamos muito com máquinas elétricas para grama, lixadeira,
furadeira. Resolvemos atingir esses ramos para sair das dificuldades. Isso atrai
o cliente para a loja que acaba escolhendo uma peça nova para seu uso.
Hoje, o cliente quer o mais barato, deixando de lado a qualidade. Ele não
quer saber a grossura da chapa do carrinho nem se preocupa com a durabilidade.
É preciso uma atenção especial, pois nem sempre ele sabe
o que quer. Já tivemos caso de um comprador que pediu uma motosserra,
mas, na verdade, ele queria um motor plano, completamente diferente.
Há, também, muita resistência em relação às
novidades. Ninguém tem dinheiro para arriscar em produtos desconhecidos.
É por tudo isso que nosso vendedor precisa ser especializado, o que não
é fácil, pois não existe curso para ele. Temos grande dificuldade
em encontrar mão-de-obra para o nosso ramo. Não adianta colocar
anúncio no jornal. Não é como vender calçados, é
muito mais complexo e precisa de treinamento. Tem gente que não está
preparada nem depois de oito meses no balcão."
O LUCRO DO EMPRESÁRIO ACABOU -
"Hoje,
posso realizar tudo o que sonhei. Implementei mudanças importantes, que
me estão ajudando a enfrentar a crise e a concorrência. Bolei uma
prateleira para ferramentas que ninguém tem, e esse é um dos meus
orgulhos. Mas, financeiramente, estaria melhor como funcionário. Se continuasse
como gerente, estaria tranqüilo, não me preocuparia com as duplicatas
ou com a folha de pagamento.
O problema é que o lucro do empresário acabou. O importante, hoje,
não é o lucro, mas o atendimento preferencial ao cliente. Foi
isso que me obrigou a mudar completamente. No SEBRAE/SP, fiz vários cursos,
como o de custo, de ISO-9000, de estoque, de fluxo de caixa, e você vai
aprendendo muito.
Hoje, temos doze funcionários, mas também tenho três filhos
trabalhando comigo. Essa, para mim, é a saída. É preciso
que eles entendam bem do negócio para não pegar só depois
que o pai morreu. Comigo, eles vão de setor a setor, sabendo do que se
trata, inclusive para poder liderar equipes, pois, se você não
conhece o negócio, o funcionário ri de você pelas costas.
Um dos filhos cuida da parte da oficina, o outro, da televendas, e uma filha
cuida do setor da loja. Numa sucessão, também é importante
o filho ir para o mercado, adquirir experiência lá fora e trazer
essa cultura para dentro da empresa familiar. Nesse esquema, inclusive, ele
pode ficar mais bem preparado, pois não tem as mordomias habituais de
filho do dono. Todos nós temos muito a aprender, e até uma criança
tem coisas a ensinar."
A FÁBRICA VENDE MAIS CARO
"O distribuidor, hoje, tem um grande poder de fogo, pois consegue brigar
com a indústria e fazer estoques que lhe dão grande margem de
negociação. Nós, da ponta do varejo, conseguimos com o
distribuidor preços 30% mais baratos, em média, em relação
aos preços da fábrica. Nesta, cada dia tem um preço e,
quando vira o mês, aumenta ainda mais. É óbvio que o distribuidor
faz a melhor oferta para quem compra mais quantidade.
Hoje, trabalhamos com estoques reduzidos, para evitar que o capital de giro
desapareça. No balcão, vendemos só 20%, o resto é
por telefone. Tenho conhecimento do mercado, pois trabalho há muitos
anos no ramo, mas é preciso ir à luta, visitar o cliente. A ferramenta
é um investimento, dura muito tempo, e isso faz com que a gente trabalhe
a longo prazo, formando, com o tempo, uma clientela fiel. Ela é muito
exigente conosco. É um freguês que nunca dispensou nota fiscal.
Não é fácil mudar a cabeça do consumidor do dia
para a noite. Ele prefere comprar aquilo que sabe que vai dar certo, pois tem
medo do prejuízo. As indústrias também não investem
em soluções novas, pois, além de significar um grande risco,
exigem muito marketing. Ao mesmo tempo, o ritmo das construções,
na maioria, está muito lento. Tem prédio, aqui, em Campinas, que
está sendo construído há uns sete anos.
Mas eu acho que com trabalho nós vamos sair da crise. Quem trabalhar
mais vai vencer. O empresário tem que aprender a trabalhar novamente.
Ele estava acostumado a colocar a inflação em cima e dava tudo
certo. Agora é diferente. É preciso ficar de olho no mercado e
na concorrência. Não é fácil."
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